Ontem assisti a um exercício performativo a partir de um laboratório de improvisação. Fiquei com uma sensação específica no corpo que traduzo com a palavra insistência. Foi muito precioso acompanhar os performers na sua insistência em fazer o que estavam a fazer. Em vê-los na insistência que insiste em seguir sempre a proposta que está ali. E não ceder a nada, nada, nada. Especialmente à protecção. A dizer "agora não sei resolver isto, faço de conta que não vejo, e apanho a vida mais adiante, como se não se tivesse passado nada. Apanho a vida só quando me achar confortável e tiver uma proposta gira que transmita aquilo que eu quero que os outros pensem de mim." Não. Insistir sempre até à absorção total da insistência. É isso que, para mim, dá uma coerência enorme àquilo que somos. "Eu sou" é uma insistência até às últimas consequências. E no entanto é frequente esse potencial incrível ser dissipado em formas frágeis, e a vida torna-se um conjunto de tarefas para proteger essa casca que sabemos sempre que é frágil, mas que acreditamos ser nós. Protegemos essa casca porque se se partisse essa forma, se se corrompesse essa imagem deixaríamos de saber quem somos. Quando nunca soubemos.
É por isso que a performance salva.
Salva porque é capaz de mostrar que a revelação das coisas como elas são está na insistência de as acompanhar desde o primeiro momento. Quando ainda não se sabe o que elas são de facto. A performace salva porque convida o espectador a perceber o princípio alquímico que diz que as coisas começam a ser no momento em que se deseja elas sejam. É isso que eu entendo que faz a performance. Mostra o que está nos bastidores do que chamamos realidade. E se o performer souber insitir nisso, então talvez se crie o espaço de podermos repensar o interior da casca.
Friday, June 22, 2007
Saturday, June 16, 2007
sobre a dança tradicional
A Dança Tradicional, na minha experiência, é sobre dançar com o outro e para o outro. E para fazer isso sinto que preciso de trabalhar, antes de qualquer outra coisa, sobre o estado de completa disponibilidade (tão inteira quanto posso entender o que é estar disponível a cada momento). Porque estar com o outro para um propósito comum, que implica a solicitação dos corpos físicos, não permite uma mera compreensão deste outro. É preciso criar um espaço para o seu acolhimento.
Dançar implica o reconhecimento do momento presente. A dança que se constrói e ao mesmo tempo se alimenta da relação, como é o caso das danças tradicionais, não permite que eu me situe em mim própria no conforto da realidade que construo para lidar com o quotidiano. Se insistir aí, então a dança é mecânica, uma volta é apenas uma rotação ou um salto é só um impulso em que ponho ao mesmo tempo os dois pés fora do chão.
Quando danço as coisas nunca são o que são. Porque quando o meu corpo toca outro, ou age considerando a distância ou proximidade do outro – o que entendo também como uma forma de tocar – torna-se evidente que o mundo não é previsível. Ao contrário abre suspensões que não se organizam em função do tempo ou do espaço absolutos. Para quem dança danças tradicionais esta sensação é inscrita (ou será recuperada?) no corpo, de forma muito mais indelével do que saber o caminho para casa ou reconhecer um rosto familiar. É algo de enraizador da pessoa em si própria. Algo a que inconscientemente se recorre para fazer escolhas, e fazem-se milhares delas num único dia.
A dança tradicional é então, para mim, um instrumento de afinação do único recurso que disponho para saber quem sou: O meu corpo.
Dançar implica o reconhecimento do momento presente. A dança que se constrói e ao mesmo tempo se alimenta da relação, como é o caso das danças tradicionais, não permite que eu me situe em mim própria no conforto da realidade que construo para lidar com o quotidiano. Se insistir aí, então a dança é mecânica, uma volta é apenas uma rotação ou um salto é só um impulso em que ponho ao mesmo tempo os dois pés fora do chão.
Quando danço as coisas nunca são o que são. Porque quando o meu corpo toca outro, ou age considerando a distância ou proximidade do outro – o que entendo também como uma forma de tocar – torna-se evidente que o mundo não é previsível. Ao contrário abre suspensões que não se organizam em função do tempo ou do espaço absolutos. Para quem dança danças tradicionais esta sensação é inscrita (ou será recuperada?) no corpo, de forma muito mais indelével do que saber o caminho para casa ou reconhecer um rosto familiar. É algo de enraizador da pessoa em si própria. Algo a que inconscientemente se recorre para fazer escolhas, e fazem-se milhares delas num único dia.
A dança tradicional é então, para mim, um instrumento de afinação do único recurso que disponho para saber quem sou: O meu corpo.
Wednesday, May 9, 2007
relva no camões
tempo-massa. Material costurável como o tecido de um vestido vermelho e amarelo e verde e roxo. Tinha um fecho éclair. Os fechos éclair são potencialmente fechados ou abertos ou assim-assim. O tempo onde a minha saia se senta tem um rasgão de dentes metálicos de um fecho-éclair desemesuradamente aberto. Jorra-lhe relva por uma brecha. Mais lá ao fundo há fios de crochet. escorrem? Seguramente que escorre alguma coisa ao mesmo tempo do jorro. A minha saia firme sentada na relva. Um menino diz-me muitas vezes que o iogurte do lanche sabe a flores. Era sempre de baunilha. Só sinto o cheiro do verde já a relva ia gasta. mesmo-mesmo no último dia. Tempo. Relva relâmpago. Costas-relâmpago. Saia relâmpago.
Do buraco do metro vê-se a manta que cobre o largo. Da minha altura vêm-se beatas emaranhadas na raíz das folhas. Parece uma vasta doença de pele. De longe era-me mais verde e menos relva.
Ó Beata do meu vício
Que destes lábios te apartas
Morrer junto a mais beatas
Seja este o sacrifício
Não te espalhes, qual semente
Pelo chão desta cidade
Pois faz dano à liberdade
E não cresce árvore valente
Não te escondas dentro-terra
Pela força dos meus dedos
E neste cinzeiro berra
Mais um cigarro se finda
Durante esta introspecção
Ao lixo beata linda!
Do buraco do metro vê-se a manta que cobre o largo. Da minha altura vêm-se beatas emaranhadas na raíz das folhas. Parece uma vasta doença de pele. De longe era-me mais verde e menos relva.
Ó Beata do meu vício
Que destes lábios te apartas
Morrer junto a mais beatas
Seja este o sacrifício
Não te espalhes, qual semente
Pelo chão desta cidade
Pois faz dano à liberdade
E não cresce árvore valente
Não te escondas dentro-terra
Pela força dos meus dedos
E neste cinzeiro berra
Mais um cigarro se finda
Durante esta introspecção
Ao lixo beata linda!
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