Aquela situação não era a mais favorável do mundo, mas artur já tinha vivido uns anos para se deixar assustar aos primeiros sinais de descontrolo. O rio naquela altura do ano chegava bem acima quase rasando as margens que no verão o olhavam de cima. Mas apesar de ter a terra ali tão perto, a corrente era muito mais forte do que as gargalhadas fundas do tempo do calor. Artur estava habituado a manobrar o barco com destreza e este correspondia-lhe prontamente, confiando e entendendo a experiência das suas mãos, mas naquele dia tudo parecia estar a sair ao contrário. O barco teimava em não lhe obedecer, mas não de uma maneira selvagem ou rebelde, antes igualando na sua vontade o movimento das indicações de Artur. A direcção com que se lhe dirigia. Parecia que se lhe adaptava de forma contrária, quanto mais o esforço para o manter direccionado e conjugado com a corrente mais ele se debatendo e montando forças improváveis que o faziam adquirir caminhos fora da razoabilidade do entendimento. Numa suspeita contra todas as intuições ele suspende a sabedoria das mãos mas conserva a distância que as aproxima do barco. Quem visse de fora provavelmente não repararia na mudança, nem mesmo Artur se estivesse fora de si mesmo, como na maior parte do tempo acontecia. Mas naquela situação, na urgência que ali se revelava, todo ele era ouvidos para organizar a sobrevivência.
O barco serpenteava em formas desapropriadas, por vezes mesmo contra a corrente , e quanto mais as mãos ficavam e os olhos de Artur desistiam de agarrar uma lógica, mais uma espécie de mansidão desgovernada se ia adivinhando do casco, deslocando-se da aderência das águas por breves milímetros para logo as apanhar um pouco mais à frente e se voltar a debater.
Exausto, Artur deixa-se só cair na vontade, vontade de coisa nenhuma, só a vontade que na sua vontade de vontadez lhe ocupa os braços e todo o corpo, ansiosos por serem substituídos neste confronto com o desconhecido. O rio mais e mais zangado na sua tarefa eterna de chegar ao mar deixa de conversar com eles e o barco, pouco a pouco, começa a navegar rio acima com vontade e forma naturais, sem estranheza nem apertamento. As mãos retomam a sua sabedoria inicial, mas já não são as mesmas. Há uma aderência mais impregnada de si própria... aliás tudo, repara Artur, parece estar agora mais impregnado de si próprio... o céu antes azul achou-o agora impregnado de azulez, as margens barrentas cujas bordas se precipitam para o rio eram agora impregnadas de finitude.
O barco acalmou-se numa zona revolta, e uma água sobre outra água casaram as suas vontades num movimento perfeito. Não era nada sobre o barco.
No comments:
Post a Comment