Thursday, November 3, 2011
o texto que não existe (da performance 1 ou 2 contentamentos comedidos)
Este texto que estou a ler não existe. Não existe porque para que o possa ler precisava de já o ter acabado de ler. Para me relacionar com o que diz, preciso de já ter passado pela sua leitura, de passar pelo processo de o ler. De ter duvidado do que leio nele, e mesmo assim continuar a percorrer os olhos pelas suas linhas, de não entender o que diz sem suspender a continuação do jorrar da vida para voltar atrás e perceber melhor. Toda a aprendizagem de conteúdos realmente interpelantes contemplam práticas que não existem... práticas que para serem praticadas precisam de já o terem sido... não num passado, não por uma repetição ou exaustão, mas porque implicam uma via de acesso a elas que pressupõe a suspensão de uma narratividade lógica. Como se se tratasse de um cofre cuja combinação está dentro do próprio cofre e é preciso considerar encontrar -se a si próprio no lugar antes de haver combinação apanhando-se ao mesmo tempo na criação da combinação que dá acesso à entrada que me permite descobrir a própria combinação que necessito para a ter. Esse lugar evidentemente não existe, mas não quer dizer que não me atravesse, que não me possa tocar, assim como este texto que não existe também está a ser lido por mim, neste momento. E mesmo que volte atrás, pensando que conquistei algum saber que me permita voltar atrás e lê-lo do alto desse meu novo conhecimento, vou tristemente chegar à conclusão que não me ensina nada, que não acrescentei nada ao que sabia antes que me permita adentrar-me nele, conhecer o que quer dizer. Como o cofre fechado, a única forma de saber a combinação que o abre é estar ao mesmo tempo no tempo em que se manifesta a necessidade de o abrir e no tempo em que brota a chave da sua abertura. Dois tempos que são um, mas que não se inscrevem num espaço físico assim como este texto nãoocupa espaço na minha compreensão, não me ensina nada, não se amontoa com as coisas que sei. Este texto não existe nesta dimensão espaço tempo, mas pode ser lido aqui e agora... desconfio que eu também não existo completamente nesta dimensão do espaço tempo, mas posso estar aqui e agora, lendo este texto, que nada adianta para me salvar da estranheza de o estar a ler. Toda a aprendizagem de conteúdos realmente interpelantes contempla práticas que não existem. Se confiar neste texto talvez considere que estou a aprender alguma coisa com a experiência de o ler. Alguma coisa que não me vai servir para nada a não ser para me abrir a possibilidade de relação com a própria experiência de o ler. E então tenho aqui o acesso que me permite lê-lo de facto... um acesso que não me é ensinado, nenhuma mensagem a ser passada, nenhum código a ser decifrado a não ser aquele que sempre esteve aberto... mas no início da sua leitura estava num lugar ao lado deste que considero agora, num lugar muito parecido com este, que me permitia ter um textoa que me dirigir e ler, e que no entanto tem o acesso ao seu conteúdo cifrado, inacessível a quem se lhe dirige como se este texto existisse, como se não sobrasse, como se não fosse possível encontrar a dobra do tempo que me permite estar ao mesmo tempo dentro no coração da cifra e fora relacionando-me com o conteúdo decifrado... poderei voltar ao princípio do texto? mudei realmente de lugar no tempo linear que me levou a lê-lo? Se isso aconteceu não foi pelo que li nele... nada do que leio aqui me permite fazer essa deslocação, e no entanto há algum acrescento entre o início e o fim... um acrescento que se considero que existe é porque sei que este texto não existe. Se este texto existe, então nãome ensina nada. (Pois toda a aprendizagem de conteúdos realmente interpelantes contempla práticas que não existem)
www.1ou2contentamentoscomedidos.blogspot.com
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