no bairro
Monday, August 6, 2012
17 posts num dia só
Os últimos 17 posts que publiquei são escritos que venho escrevendo desde fevereiro no blog do Pedras 2012 - www.pedras2012.wordpress.com um trabalho que desde há sete anos o c.e.m - centro em movimento faz com as pessoas e os lugares de lisboa. Foi ao longo destes meses que estes pequenos escritos foram sustentando o que sentia das práticas regulares de corpo que ajardinamos no c.e.m e que nos permitem caminhar no desconhecido. No meio de cada um destes escritos há dezenas de outros que ajudaram a fazer o seguinte... pô-los assim em lista seguidos uns dos outros é como um truque de cinema em que parece que o fotograma seguinte é mesmo o momento que se seguiu ao anterior, e assim podemos imaginar uma realidade... mas todos sabemos que entre uma coisa e outra há sempre o infinito.
Corpo sóbrio
Estes dias apareceu-me esta vontade de falar de uma certa forma de juntar o corpo que me apareceu com o nome de sobriedade… este corpo sóbrio é-o no sentido de que não sobra nem falta, tem o que é necessário a cada momento. O entendimento necessário a cada momento. Num processo similar ao que me faz entender quando preciso de alimentos em que quantidade e combinação, também sei o que compreender em que quantidade e combinação a cada momento. O corpo sóbrio no sentido de não estar embriagado pelo que no princípio do movimento é ajustado e depois deixa de ser. Embriagado não pelo atestar dos sinais que emite, mas porque não sabe parar, não sabe construir o contramovimento que diz “agora não mais disto” e iniciar outra coisa. Quando não sei dizer “não mais disto” é porque há uma vontade de me substituir à coisa que vi e que me disse que valia a penar ir por ali. Ir embora para sempre tem que incorporar o ficar já aqui, ou quero-me substituir ao movimento de ir embora, quero ser eu própria o movimento de ir embora, desimplicando-me de ser o que sou e ocupando uma substituição de mim própria que crio só para garantir que recebe os inputs essenciais à sobrevivência. Qual é o lugar em que comi demais, amei demais, soube demais, precisei demais, acumulei demais?… intimamente eu sei qual é esse lugar… sempre soube… posso fazer de conta que não sei, que não é para se falar disto, que há “demais” que não têm fim… que nunca se é bom demais, amigo demais, paciente demais, grato demais… mas não é de um limite fixo que estou a falar… este corpo que vou interrogando não tem limites fixos… é uma charneira ténue, um estremecimento… a quantidade certa de desconhecimento para cada conhecimento… não querer saber demais, não querer ser demais, não querer ocupar demais… os limites móveis são muito mais complexos de considerar.
Continuar
Continuar para mim é uma prática de vida…
Como tenho experienciado na frase do filósofo que trouxe Maria Filomena Molder: ”Primeiro capítulo, continuar, segundo capítulo, começar” Alain, Minerve ou de La Sagesse – é preciso continuar para poder começar… é preciso ter no intervalo das mãos a sabedoria de continuar perguntando para que delas se solte a formulação da pergunta.
O trabalho com pessoas e os lugares continua para que possa iniciar-se, impregnar-se de visibilidade e poder ter um nome e linhas que o explicam enquanto projecto.
Porque como qualquer projecto a pergunta é: se ainda não existe como pode ter aparecido? É evidente que os projectos só podem começar se antes continuaram. É evidente que as coisas só podem aparecer se antes se insistiu na pergunta da sua germinação. Não uma pergunta de porquê, ou para quê, mas a pergunta para nada que faz a semente brotar da terra…
Pensar não pode ser só o resultado da aplicação de um design industrializado de máxima eficácia. Se para ter comida em abundância se podem produzir frangos que crescem em 1/3 do tempo do seu desenvolvimento normal apenas com cartilagens fáceis de tratar enquanto matéria residual, para alicerçar uma reflexão de vida não se pode só fomentar pensamentos para obter algo, pensamentos que introduzimos no mecanismo de pensar de que fomos ensinados e que produzem decorrências de si próprios, com cartilagens dóceis de esmagar e re-introduzir no processo de pensamento que se fecha sobre si próprio.
Pensar para nada, estar para nada, mexer para nada, afinado o gesto no gesto, ouvindo o feed back que essa afinação me traz, permite pensar e continuar a pensar, perguntar e continuar a perguntar. Pode-se então pensar e perguntar na afinação da pulsação da vida que pergunta as coisas sem palavras, pergunta as palavras sem palavras, possibilitando encontrar as palavras justas que trazem ao visível o que já lá estava, como jardinando a semente se potencia que ela encontre as condições justas para trazer a árvore que já lá estava.
Continuar a perguntar o que é estar com pessoas e lugares é continuar a fazer o Pedras, depois de feito. É continuar a perguntar sem palavras potenciando que ele exista por entre as palavras que o permitem viabilizar enquanto projecto.
Continuemos a fazer o Pedras!
Intensidade
Que linhas detecto como intensas? Se calhar não tanto aquelas que me fazem sentir qualquer coisa, e mais as que me permitem ser qualquer coisa. Quando assisto a espectáculos penso frequentemente que o que estou a ver é para me fazer sentir qualquer coisa, que normalmente oscila ou numa escalada de “intensidade” na tentativa de se sobrepor ao adormecimento da reacção às sensações por força de estarem sempre a ser estimuladas, ou na ausência dessa “intensidade” percorrendo a mesma linha no sentido inverso, na tentativa de se subpor ao adormecimento da reacção às sensações e assim poderem introduzir outras reacções como o aborrecimento, a irritação ou a reflexão sobre a ausência de reacção.
Atravessando o Pedras vou percebendo intensidade por si só, sem ter de ser qualificada como alta ou baixa, conseguida ou não.
Estes dois dias foram extraordinariamente intensos, permitindo-me ser intensa junto com eles. Deformar a própria deformação que me deforma é uma dança intensa que não principia nem acaba.
Atravessar
Desde que reparei que a palavra decisão inclui a palavra cisão, há qualquer coisa de instável que me tem animado os pensamentos…
Isto já tem algum tempo mas lembro-me bem que me nesse momento me chegou uma imagem de decisão no sentido de atravessamento do espaço. Um espaço que ao meu olhar emerge de duas margens, de duas linhas de precipício. Tomar a decisão de atravessar o precipício não é desenvolver técnicas ou apostar na criatividade que me pudesse fazer chegar “ao outro lado”, era atravessar o espaço do meio, criando o meio de fazer isso na vontade fizicalizada de atravessar.
Há alguns meses começámos a considerar a visibilidade do Pedras nestes três dias de festival (o primeiro acaba de terminar) na mesma vontade que nos motivou todos estes meses de acções diárias: Atravessar como decisão a duração do enquanto, a decisão que não acaba, que revela a sustentação do lugar do meio uma sustentabilidade invisível que aparentemente não sustenta o peso do corpo que o atravessa, mas o que fomo descobrindo é que na própria consideração de atravessar o corpo é atravessado por outras considerações que interagem com as evidências das restrições do entorno.
Atravessar a visibilidade da invisibilidade, atravessar o encontro, atravessar o que foi planeado mas só acontece na impregnação do enquanto está a acontecer! Atravessar e continuar atravessando. Atravessar dentro de atravessar.
Tudo ao mesmo tempo
não é sobre conseguir ver tudo ao mesmo tempo… também não é sobre enaltecer a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo… é atentar no acorde sem esquecer a nota… e considerar a especificidade da vibração conjunta… não é entendê-la na medida da perfeição da junção das partes, nem cair na “esquizofrenia” de fazer valer todas as dissonâncias… o lugar do meio ainda é difícl de explicar… essa coisa de não parar nem o que acontece nem o acontecimento que sou eu… esse lugar acenta num certo à-vontade com o tudo ao mesmo tempo… com atravessar as urgências que dizem: então alinho desta maneira, então vou pensar da seguinte forma, então vou organizar segundo este denominador comum… é ouvir isto e continuar, seguir atravessando… ver as inúmeras possíbilidades e continuar escolhendo o brotar da vida, toda ao mesmo tempo… sem a deixar morrer à míngua nem a alagar de vontade que viva… ver pelo lugar do meio é reclamar um lugar móvel de onde vejo o que vejo… não é ver enquanto me movimento ou enquanto sou movimentado como contraponto à expectativa de que enquanto expectador é o que me é dado a ver que tem que se mover. ver no lugar do meio é ver em movimento num lugar em que nunca houve ausência dele… não é pôr-me a ver e depois pensar como seria essa mesma visão mas em movimento… requer esse à-vontade com o tudo ao mesmo tempo, que me permite estar próximo. uma proximidade que não permite fazer nada… pois nesse atravessar que me permite a proximidade com as coisas vou-me despojando da visão antropocênctrica de querer fazer coisas às coisas… apenas fico próxima… silenciosamente próxima testemunhando a transformação do momento, todo ao mesmo tempo.
Um dia sem regras
É preciso densidade para não ter regras… é preciso acompanhar-se na trepidação do acontecer para poder não haver regras… para deixar até que possa não haver a regra de não haver regras… entrar realmente na proposta implica sempre prolongar-se até às bordas de onde ela parece dizer o seu oposto… entrar e continuar a perguntar implica atravessar sem ver… quer dizer, ver desfocado, ver sem apanhar a imagem, deixar que ela se adentre nos olhos sem me adiantar a dizer logo o que é… é preciso massa física para perceber certas coisas, para continuar onde as palavras se detêm (ainda…) à míngua de tridimensionalidade.
não ter regras não é um conceito, é uma consideração da existência, uma pergunta que nasce do lugar em que existir não é um conceito… as pedras têm este lugar, o vento tem este lugar… é preciso muita densidade para ter a liberdade das pedras
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