Escrito do projecto Pedras 2012 - pessoas e lugares - 06/mar/2012
Tenho tantas coisas escritas e não me parece pertinente que apareçam aqui… antes mais pertinente é dizer que as tenho escritas… que passei dois dias escrevendo, atravessando a muscularidade da mão na sua tensão sobre o papel, sendo corrida dos cafés que fechavam um às sete, o outro às oito, o outro às nove… dilatando um escrever mais arejado, capaz de acolher beijinhos e conversas e outro mais denso que chegava quando chegava (sempre na altura em que podia, ou então porque quando chegava todo o espaço lhe acolhia a vontade)… é inevitável pensar na rota… no saber que ela me imprime no corpo, uma densidade que não tem oposto, que também é dispersão, também é densidade, também é ir atrás dos outros, ou ir à frente, ao lado, ficar um pouco mais para trás, ou esperar mais à frente… a rota tem uma duração, mas não tem uma história… podem ser vários dias no mesmo dia, mas o que eu sinto realmente é que o tempo não passa… não são cinco horas, porque se fossem cinco horas a caminhar o meu corpo estaria como está quando faz caminhadas de cinco horas… o tempo da rota não existe, não se gasta, não se trata de uma história, não passa de A para B, ele não é a linha sustentadora dos acontecimentos, antes escorre como a água num regato, em que não nos apressamos a perguntar onde está a torneira que possa estancar o jorro… por isso o tempo não passa pelo meu corpo… passa espaço… quando percorro a rota sinto que é o espaço que me atravessa a mim, é o espaço que me percorre e reconfigura lugares de mim mesma que antes carregava comigo sempre da mesma forma. Coisas simples: a forma como o que levo às costas e ao ombro se ajusta à roupa e a como me movo sem carregar coisas, mas antes sendo-as… elas só podem ser porque o espaço me percorre e ampara, com a sua pertinência espacial, a distribuição do meu peso e volume, calibrando as oscilações, acompanhando-me no percorrer de cada passo. cada passo não dura tempo, sustenta-se no espaço. Coisas simples como as distâncias com que me permito fazer coisas na rua, abrir um banco, sentar-me, abrir a mochila, comer um iogurte, guardar o frasco do iogurte, e acolher suja de iogurte, ao mesmo tempo ter o caderno aberto em cima de uma das pernas com a caneta presa lá dentro, e perceber na muscularidade da mão que ela consegue escrever ali, guardando a maciez da escrita, a mesma maciez que só imaginava capaz de surgir num quarto almofadado de pelúcia em cima de uma secretária de mogno, mas quando o espaço te percorre, as distâncias de ti própria que ele acaricia são as mesmas quer estejas na rua ou no quarto, e isso dá-te a maciez familiar de estar em casa… não é o quarto, não é o que se pensa como deveria ser o quarto, é o espaço passando por ti que ajardina as distâncias justas que sustentam a ação, e dás por ti e elas a acontecerem e tu sem argumentos de tempo para dizer: agora não posso que tenho de ir fazer outra coisa… porque essa outra coisa que tens para fazer só vem quando o tempo voltar a ter horas onde pendurares as coisas… mas entretanto… entretanto… estiveste em casa!
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